A Indústria de Games Quer Você!

E aí, Joystickers!

Todos nós temos um imenso carinho pelos videogames. Para a maioria de nós, os games têm feito parte de nossas vidas desde sempre. Mas você já parou para pensar como todas essas experiências são feitas? Quais são os processos realizados pelos desenvolvedores para que seu Zelda ou seu Assassin’s Creed sejam o que são? Durante os três últimos anos, estive constantemente estudando e tendo contato com a indústria, e neste artigo gostaria de mostrar a vocês um pouco do trabalho que faço e pelo qual sou perdidamente apaixonado, apesar dos pesares. Quem sabe não desperto o desenvolvedor de jogos dentro de você, não é mesmo? Então, vamos lá!

O Primeiro Passo

 

Um dos concepts de level que desenvolvi para meu TCC. 

Para se criar um jogo, o primeiro passo é desenvolver a ideia que será produzida. Não há necessidade de se ter tudo pronto já a princípio, uma vez que por meio de teste e erro o jogo vai se formando e aprimorando. No entanto, é extremamente importante que haja uma noção de como o projeto será desenvolvido, o quanto ele irá exigir de você e de sua equipe, caso haja uma, além também das limitações, estando técnicas e financeiras entre elas. A partir dessa noção define-se o escopo do game em desenvolvimento, ou seja, o tamanho e a complexidade. Então inicia-se uma parte bem técnica, o Game Design. Nela, é importante que o game designer, o profissional dessa área, defina as mecânicas e a forma de apresentá-las, desenvolva puzzles e muitas vezes até mesmo a história, já que frequentemente o designer também assume o papel de roteirista. Game Design é uma área tão complexa que pode ser dividida em outras subáreas, como o Level Design, responsável pelo planejamento dos levels de forma a guiar o jogador pelo game da melhor forma.

Durante esse processo criativo, os desenvolvedores devem pensar no jogo que estão criando como um todo. Conforme Jesse Schell narra em seu excelente livro A Arte de Game Design, podemos dividir um jogo essencialmente em quatro elementos, o que ele chama de Tétrade Elementar.

A Tétrade é composta por quatro pontas complementares, sendo a mais visível a do topo, e a menos a da base. Imagem: SCHELL, Jesse. The Four Basic Elements. In: SCHELL, Jesse. The Art of Game Design: A Book of Lenses. 2ª. ed. [S.l.]: CRC Press, 2015. cap. 5, p. 51-52.

Quanto mais visível for a ponta da Tétrade, maior é o impacto no jogador. Sendo assim, a ponta mais impactante é a estética, justamente o visual do jogo. Quantas vezes você já se pegou tendo preconceito devido aos gráficos? E quantas vezes um jogo te atraiu pelo mesmo motivo? É muito importante que um jogo seja não necessariamente realista visualmente, mas muito bem resolvido, com um estilo artístico que seja coerente com a proposta do jogo. Logo abaixo, seguem-se mecânicas e história. As mecânicas são basicamente as regras do seu jogo, os objetivos, e as formas pelas quais o jogador pode cumprir esses objetivos seguindo essas regras. Ainda segundo Schell, são as mecânicas que fazem um jogo ser um jogo, já que são elas que os diferem quando comparados com outras experiências de entretenimento, como filmes e livros. A história dispensa apresentações, sendo a sequência de eventos apresentados pelo game. Ela pode ser linear ou pode se desenvolver por bifurcações, apresentar escolhas ou não. O importante é que esteja coerente com os outros componentes. É bom que se ressalte que nem todo jogo necessita de uma história – temos jogos incríveis de um ponto de vista mecânico, mas sem um enredo de fato, sendo o inverso também uma verdade. Por fim, temos a última ponta, a tecnologia. Trata-se dos componentes nos quais seu jogo terá suas mecânicas, estética e história executados, sendo abrangidos nesse caso até mesmo papel e caneta, caso seja um jogo de tabuleiro.

Outra forma de abordar um jogo é definí-lo como uma experiência. Por meio do conjunto de sistemas, regras, sons e visuais, um jogo proporciona uma série de sensações e sentimentos em um jogador: medo, felicidade, raiva, tristeza. Com o pensamento firmado nessa abordagem, fica mais fácil para o desenvolvedor criar um game cujos componentes são consistentes e coerentes entre si, já que ele deve desenvolvê-los pensando na experiência final que quer proporcionar ao jogador.

Planejar um jogo é um processo bastante complexo, sendo necessário se atentar a uma série de elementos e teorias, como a do flow, a qual você pode ver mais aqui, além de sempre deixar claro ao jogador o que ele pode e não fazer, o caminho que ele deve seguir, quais são seus objetivos, e muitas outras coisas.

Em paralelo à parte do planejamento, que é constantemente revista, temos a arte. Vamos falar um pouquinho dela.

O Visual do Jogo

Como disse anteriormente, a arte é o primeiro elemento do jogo com o qual se tem contato, o mais impactante, podendo atrair ou afastar um potencial jogador. Uma boa arte não é necessariamente realista, mas uma que seja condizente com toda a proposta idealizada pelos desenvolvedores. Bons exemplos disso são Cuphead e White Night. Ambos não seguem a linha realista, apresentando uma direção de arte cartunizada e bastante única.

Cuphead exigiu muita pesquisa e dedicação de seus artistas. Imagem: http://store.steampowered.com/app/268910/Cuphead/

Cuphead já é um velho conhecido, e muito se falou sobre sua estética baseada nas animações clássicas dos anos 20. Chegamos a citar um pouco sobre o jogo em nosso último podcast, que você pode ouvir aqui. Toda a proposta foi criada em torno de sua arte, sendo este um perfeito exemplo de que gráficos realistas nem sempre são o caminho.

White Night constrói um clima pesado e misterioso através de sua direção de arte. Imagem: http://playdigious.com/whitenight/#prettyPhoto/2/

White Night segue uma linha artística baseada no subgênero de filmes policiais conhecido como Noir (do francês, preto). Essa estética apresenta uma coloração preta e branca, e se baseia fortemente na iluminação para transmitir emoções e características dos personagens. Com esses conceitos, o game consegue criar uma atmosfera de mistério e de terror fascinante, além de ter um charme e beleza únicos.

Assim como em Game Design, a área artística também é dividida em diversas subáreas, estando concept artists, environment artists, character designers e muitos outros entre elas. Em conjunto com o game designer, os artistas definem uma identidade visual para o game, se será 2D ou 3D. O processo artístico é então iniciado, com diversos concepts, até que se chegue ao resultado final. Para personagens, há também o processo de animação. Em 2D, tal processo é realizado quadro a quadro, sendo um total de 60 quadros por segundo. Sim, uma animação 2D para games complexa exige a produção de 60 imagens para cada segundo. Em 3D, é realizado um processo chamado de Rigging, em que uma estrutura é inserida no personagem, funcionando como um esqueleto, e posições são marcadas para que a animação seja realizada. Pode aparentar ser mais simples, mas inserir as estruturas durante o rigging é bastante complexo e trabalhoso. Fora isso, é importante que princípios da animação sejam seguidos, para que quando você, jogador, veja o personagem em movimento, não sinta nada de estranho.

Personagem em que fiz Rigging e animei para um dos trabalhos da faculdade. Note a quantidade de estruturas necessárias para que houvesse uma movimentação natural.

Para cenários, os passos iniciais são semelhantes. A diferença se dá com a composição, já que as peças individuais do cenário devem ser produzidas, para que então um cenário seja produzido no jogo final.

Um modelo que fiz para o cenário do meu TCC, e sua versão finalizada.

Nessa fascinante palestra dada por Jake Clark, um dos artistas de Cuphead, você pode ver mais um pouquinho sobre o processo de desenvolvimento da arte, desde o concept, passando pela animação, até o resultado final. Vale a pena conferir!




Programando

A programação é a próxima área em pauta. De longe, programar é um trabalho que assusta muitas pessoas, pela complexidade e pelas diversas linha de código produzidas. É o programador que dirá por meio de uma linguagem como tudo vai funcionar dentro do jogo. Ele trabalha diretamente com a game engine, ou motor gráfico. A engine é um programa no qual os jogos são devidamente criados. Imagine que os componentes de um jogo, como personagens e objetos, são peças de LEGO. A engine seria a mesa na qual essas peças de LEGO serão montadas. A diferença é que essa mesa é cheia de ferramentas que facilitam o processo de criação, como uma régua seria no exemplo do LEGO. A Unity e a Unreal são duas engines muito famosas no meio, sendo bastante acessíveis, tanto para pequenas equipes quanto para enormes estúdios. Algumas produtoras ainda desenvolvem suas próprias engines, como a Anvil da Ubisoft e a Frostbite dos estúdios da EA. Para “conversar” com a engine e com os componentes do jogo, o programador faz uso de uma das diversas linguagens disponíveis no mercado. Dentre elas, podemos destacar C, C# (lê-se cê sharp), C++, Java, Javascript, Python, dentre diversas outras. Imagine que cada uma é um idioma diferente, e cada programa no seu computador fala um desses idiomas diferentes. A Unity adotou o C# como principal linguagem, enquanto a Unreal faz uso do C++, além da Blueprints, uma linguagem mais visual que usa bloquinhos de funções interligados, desenvolvida justamente para tornar o processo de programar mais acessível.

Trecho de código de um dos projetos que desenvolvi para meu Portifólio.

Para fazer um canhão atirar, por exemplo, o programador deve criar uma variável (sim, os danados do x e do y que você caçou muito no ensino médio), associá-la ao canhão, avisar ao computador para verificar caso o botão de tiro seja apertado, e então criar o tiro, definindo força, trajetória e dano. O trecho da foto acima verifica se o botão de tiro foi apertado, gera um tiro, define posição, rotação e força com a qual o tiro será projetado, além de executar o som do canhão e mais algumas coisinhas. Para deixar o jogo rápido e impedir que o seu computador fique lento, é necessário otimizar o código, de modo que trechos desnecessários sejam retirados, que certas verificações sejam colocadas no lugar certo, e muito mais. O trabalho de um programador é, de fato, bastante complexo, mas com muito estudo e dedicação, é possível conseguir programar muita coisa. Fora isso, ver seu código funcionando não tem preço.

Som na caixa!

Como havia dito neste artigo, o áudio é essencial na experiência de se jogar um game. Ele complementa o processo de imersão do jogador, além de transmitir emoções, trazer feedback de tamanho, de composição, de ações que o jogador toma. Alinhado com a ideia de que um jogo é uma experiência, o som também deve receber cuidado e dedicação.

FMOD, uma ferramenta com a qual se produz um áudio dinâmico, adaptável a diversas situações de forma rápida e prática.

Existem duas frentes principais em relação ao áudio: a Composição e o Sound Design. O compositor é responsável pela trilha sonora do jogo, criando músicas para os mais diversos momentos. Aquela luta com um difícil chefão, aquela cutscene que te fez chorar, aquela cutscene engraçada – você parou para prestar atenção na música tocando ao fundo? Sem ela, o impacto não seria o mesmo. A música apresenta um papel muito importante no conceito de um game como uma experiência, já que ela tem o poder de aflorar diferentes emoções. Já o sound designer cuida de toda a questão da sonorização do jogo. O som que os passos fazem em determinado terreno, o som de um equipamento ou arma, o som que os menus emitem, tudo isso é parte do seu trabalho. No vídeo abaixo, um sound designer narra o trabalho que teve para um jogo, em que os desenvolvedores solicitaram sons de bolhas e outros associados a banho. A técnica utilizada por ele é chamada de Foley, em que diferentes objetos são utilizados para desenvolver o som, e muitas vezes criar sons específicos que não existem, como o tiro de uma arma a laser, por exemplo.




Finalizando!

O desenvolvimento de jogos é um trabalho bastante complexo, que exige muita criatividade e dedicação dos desenvolvedores. A falta de apoio de muitas pessoas, por acreditarem muitas vezes que não se trata de um trabalho, ou até por achar que fazer um jogo é simples, agrava bastante a situação. Com esse artigo, quero chamar a atenção de todos para este ponto, ilustrando o esforço empregado para que uma experiência especial seja entregue a você, de modo que possa se divertir sozinho ou com os amigos. Se você realmente ama jogar, apoie os desenvolvedores, compre os jogos, dê feedback, compartilhe algum título que tenha gostado muito. Pode parecer muitas vezes que alguns jogos são caros, mas tente imaginar o trabalho para que ele fosse lançado. Chamo também a atenção de desenvolvedores iniciantes, querendo lhes mostrar a importância de se ter o pé no chão e de se desenvolver um bom planejamento. Não é à toa que títulos como GTA e The Witcher têm centenas de pessoas envolvidas – o trabalho é árduo! E caso tenha se interessado pelo desenvolvimento de jogos, informe-se melhor, e caso seja seu sonho, dedique-se, corra atrás, e não deixe que ninguém te impeça de tentar. Há também ausência de apoio em relação a pessoas que se interessam em trabalhar na área, mas não devemos nos abater, e sim lutar para que o reconhecimento venha. Aos poucos esse cenário tem se modificado e melhorado. Por fim, é importante que eu saliente que o processo de desenvolvimento apresentado aqui foi bastante simplificado, tendo sido omitidas diversas outras áreas para facilitar a compreensão do processo como um todo.

E então leitor, o que achou? Imaginou que houvesse tanto trabalho e complexidade, mesmo em pequenos jogos? Se interessou pela área? Comente aí!

 

Post Author: Renan da Silva Dores

Renan é um desenvolvedor de jogos recém-formado pela PUC-SP, e joga desde que se entende por gente. Tem mais afinidade pelos exclusivos da Sony, mas se tivesse dinheiro o suficiente, teria todas as plataformas sem pensar. Ama ler, ouvir música, e é um aficionado por tecnologia, sendo secretamente um replicante (Cyberpunk na veia). Atualmente, dá aulas de inglês enquanto caça uma oportunidade no ramo de jogos.

1 thought on “A Indústria de Games Quer Você!

    Herbert Viana

    (12 de fevereiro de 2018 - 23:34)

    Texto sensacional Renan, parabéns! Eu acho muito legal ver os “bastidores” por traz do desenvolvimento dos games; é tanto trabalho empregado para infelizmente não ter o devido reconhecimento.

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