ATENÇÃO! ANÁLISE COM SPOILERS
Castlevania é uma franquia com uma base consistente de fãs, que por sua vez, sofrem com altos e baixos. A série tem passado por algumas polêmicas, desde que esteve nas mãos de Hideo Kojima e agora, da Konami, já que há tempos a franquia sofre com um grande hiato por parte da empresa e isso tem provocado uma revolta dos fãs da produtora, devido ao tratamento dado as franquias como Metal Gear Solid (com seu desnecessário e ganancioso Metal Gear Survive) e o próprio Castlevania.
O último lançamento de Castlevania foi em 2014, com Lords of Shadow 2, para PS3, Xbox 360 e PC. Antes dele, teve Harmony of Despair, em 2010, seguindo a cronologia tradicional da história. Desde então houve boatos de uma adaptação holywoodiana (que morreu, voltou, morreu novamente e voltar do nada novamente com poster e tudo para morrer mais uma vez) e um filme animado pela Project 51 Productions, que também foi para a vala.
Parte das ideias do longa animado sobreviveram e foram reaproveitadas na série animada da Netflix, produzida por Adi Shankar, conhecido na internet por trabalhos essencialmente nerds com boa aceitação dos fãs, como Dredd (2010), e o universo de curtas “não autorizados” de franquias como Punisher: Dirty Laundry, Venom: Truth in Journalism e o adulto e polemico Power/Rangers.
A série foi lançada em 2017 com apenas 4 episódios, o que pode ter sido uma estratégia para medir a reação do público. E deu certo. Apesar de curta, a adaptação teve uma ótima recepção dos fãs e críticos, por conta da qualidade da animação e da história. O sucesso garantiu a segunda temporada, desta vez, com 8 episódios, lançada a menos de uma semana do Halloween de 2018.
Ambas as temporadas adaptaram essencialmente Castlevania III: Dracula’s Curse (NES), que possui um papel de gênese da história da franquia, sem levar em conta Lamment of Innocence (PS2), que aborda a origem de Drácula e da batalha dos Belmonts contra a noite em si.
A narrativa aborda a batalha de Trevor Belmont contra as forças de Drácula, somado em sua jornada pela conjuradora Sylpha Belnades e pelo Dhamphir Alucard, filho de Dracula. Foram adicionados alguns elementos de Symphony of the Night, como a origem de Alucard e do ódio de seu pai pela humanidade.
A segunda temporada emenda logo depois do final da primeira e finalmente temos o trio de heróis reunidos prontos para encarar Drácula e suas forças demoníacas. Esse é o mesmo trio presente no terceiro game do NES, ainda que um quarto personagem presente no jogo não apareça na animação. Trata-se de Grant Danasty, o acrobático herói/ladrão, que junto de Sylpha e Alucard era um dos companheiros desbloqueáveis que talvez tenha sido cortado da série por ser o menos importante dos companheiros de Trevor ou talvez haja alguma entrada futura dele, pois ao fim da segunda temporada é mostrado um ladrão de péssima índole, com um destino similar ao de Grant no inicio do jogo. Se é ele mesmo ou apenas uma homenagem, só descobriremos na terceira temporada, que já está confirmada.
Do trio, Alucard é aquele mais se destaca, em especial pelo foco em que a série deu à ele nessa temporada. A história foca no passado e na relação dele com o pai. E o dhamphir está muito bem representado, tanto visualmente quanto na parte de personalidade e poderes. Houveram algumas críticas a respeito da cor do cabelo e da vestimenta similar, que não são tão fiéis ao game. O traje presente em Symphony of the Night foi desenhado por Ayami Kojima, com adornos super detalhados de uma vestimenta característica do século XVIII. E por mais belo que fosse, provavelmente seria muito difícil representá-lo na animação, principalmente em cenas de combate, justificando assim, a versão menos detalhada apresentada no desenho.
De personalidade bondosa e exterior frigido e cheio de classe, Alucard representa bem a personalidade já estabelecida do herói. Além disso, existe uma química bem interessante com seus aliados, ao mesmo tempo em que existe uma rivalidade de certa forma amigável e rude com Trevor Belmont e tem um tratamento mais inteligente com Sylpha, sem apelar para trejeitos sedutores típicos de vampiros com mulheres em obras de ficção. O foco da temporada é o desenvolvimento maior desse personagem, mostrando um lado mais sensível do mesmo. Alucard definitivamente é o centro das atenções e rouba tempo de tela dos demais protagonistas.
Ainda assim, os mesmos não ficaram de forma alguma pouco trabalhados, a começar por Trevor, o misantropo herói e descendente do clã Belmont. Nos games, poucos heróis tiveram a personalidade bem explorada, devido à natureza da saga de cada jogo ser isolada dos outros. Isso permitiu maior liberdade para o desenvolvimento da personalidade de Trevor na adaptação da Netflix. Ele ficou com um ar cínico, falante e rude, tipicamente medieval. Essencialmente um anti-herói vagabundo e cafajeste, similar a personagens como Han Solo.
Aqui o passado, as motivações e até mesmo a própria criação do personagem ficaram mais explicitas. O que coincide com o mote da trama, que consiste no objetivo inicial do grupo buscar itens dos Belmonts, presentes em uma antiga câmara. Esta é uma viagem ao tempo para Trevor, que chega a relatar as lembranças quando criança em relação a câmara, a sua criação e sua infância para Alucard e Sylpha. Em dado momento, ele adquire uma corrente com uma Morning Star, que ocupa o papel de Vampire Killer, o que deixa certa confusão para quem achava que o chicote da primeira temporada já era o dito cujo, mas que serve de referencia ao classico power-up dos candelabros que evoluia o chicote para uma corrente com uma Morning Star.
Sylpha talvez seja uma das personagens mais bem trabalhadas, sendo a principal fonte de diálogos com Alucard e Trevor. A conjuradora vira figura chave no roteiro, devido à importância que a magia possui na série e que é praticamente um mecanismo intrínseco do castelo de Drácula, o homônimo Castlevania. Com sua personalidade forte “tomboysh”, tem ótimos momentos com os dois heróis e é responsável pelas explicações de mundo e diálogos envolvendo o passado de ambos. O tratamento dado ao universo de Castlevania é evidentemente bem feito. Basta observar essas explicações de Sylpha. Conhecedores de história dos Balkans e da Walachia vão ouvir adjetivos familiares vindos dela. Dominando fogo e gelo para ataque e outras forças misticas para outros usos, ela não fica atrás no potencial de combate. E inclusive é até mais poderosa que os homens do grupo, ao contrário de muitos estereótipos de heroínas femininas (olá trios de personagens de Naruto).
O mais interessante do trio é a química simples, mas convincente que acontece entre eles. Essa relação flui rápido nos 8 episódios, sem dar a impressão de um elemento forçado ou excessivo. Um exemplo são os opostos Trevor e Alucard. O rude e o cheio de classe, que trocam insultos divertidos por boa parte da temporada.
O vilão Drácula está da mesma forma que na primeira temporada: muito bem escrito e trabalhado. Flashbacks e momentos de diálogos com generais e aliados revelam um pouco mais do lado humano dele. Quem assistiu a primeira temporada e se importou e simpatizou com Drácula e até torceu pelo mesmo, com certeza irá sentir isso novamente nessa temporada. Principalmente no ultimo episódio, que possui um momento entre ele e Alucard deveras triste e emocional. As motivações de Drácula são um tanto quanto simples: eliminar a raça humana por completo, deixando apenas animais e a natureza como fonte alimento para Drácula e seus generais vampiros. Embora isso pareça deveras simplório e clichê, é feito propositalmente dessa forma para o sub-plot envolvendo a nova leva de vampiros, que ao mesmo tempo em que surgem como aliados da Drácula, se opõem à ideia de extinguir a raça humana formando uma espécie de complô.
Uma grata surpresa para os fãs de longa data da saga, principalmente para os donos de PS2, é a presença de Hector, protagonista de Curse of Darkness. Ele foi representado de forma bastante fiel. O forjador de demônios serve a Drácula, ajudando a criar as criaturas do conde. Sua arte de forja é explicitamente mostrada, algo bem interessante e que curiosamente é muito mal representado no jogo, onde só vemos como parte desse poder o seu domínio sobre os “Innocent Devils” e na habilidade de fundir cristais a armas e de lidar com a maldição de Drácula no final do game onde a sua arte de forja demoníaca aparece como uma execução bem simplificada, dando a impressão de ser um simples domínio de magia das trevas.
A série expande parte do passado do protagonista mostrando sua infância, a amizade com Drácula e os interesses na forja demoníaca. A escolha de aparição do mesmo não é a toa e nem mero fã service, visto que o próximo game canonicamente falando após Dracula’s Curse é justamente o Curse of Darkness, e que seria a escolha de adaptação para uma próxima temporada. Se isso ocorrerá ou não, fica ao menos uma curiosidade sobre o destino do herói ao final da temporada.
Se Hector está aqui, não poderia faltar Isaac, o rival, que pode ser alvo de críticas dos fãs. Enquanto o Isaac dos games era um caucasiano ruivo afeminado bishounen com trejeitos e personalidades extremamente afetados e vingativo, tipico de alguns vilões de mídias nipônicas, o Isaac da série em nada remete a essa figura. Ex-escravo extremamente calmo, estoico e de gênio imperturbável até o momento em que se revolta contra o mestre, devido aos castigos por ele aplicados, o que cultivou um ódio enorme pela humanidade. Dessa forma, Isaac participa de bom grado da limpeza da “corrupção humana”.
Tendo apenas a lealdade a Drácula como similaridade à sua versão original, ele pode atrair, com certa razão, algumas críticas. Mesmo assim, o personagem recebeu um ótimo cuidado no desenvolvimento da personalidade e até mesmo da aparência. Por mais que não lembre em nada o Isaac original, é um bom personagem e poderia muito bem ser uma espécie de terceiro Devil Forgemaster a serviço de Drácula, junto de uma adaptação fiel de Isaac para os mais críticos da adaptação.
A trupe de Drácula acaba sendo preenchida por vários lordes vampiros que o servem, ainda que somente dois deles se destaquem, o vampiro Godbrand, um ex-viking que adora matar, trepar e transformar pessoas em barcos e Carmilla, a clássica serva de Drácula tem uma adaptação similar em meios e trejeitos a sua contra-parte do universo de Lords of Shadow, sendo sedutora e ardilosa.
De forma geral, as lutas continuam dignas de elogios pela coreografia ágil e que remete a diferentes itens e poderes da saga, seja com Trevor usando a espada (um elemento presente em diversos heróis da saga pré-Symphony of the Night, mas que servia de mero enfeite no sprite ou artwork) ou o chicote e a corrente, que possuí belíssimos efeitos de explosões, uma grande homenagem direta aos inimigos que pegavam fogo após morrerem nos jogos clássicos. Sylpha entra em cena com poderes de fogo e gelo, sendo o fogo com explosões e brilhos, o elemento mais bem animado da série. Alucard, assim como na primeira temporada, utiliza seu clássico “teletransporte” que funciona mais como um dash, contando inclusive com o rastro vermelho escuro do jogo, além da forma de lobo em uma cena de combate impecável e que de quebra nos revela claramente que a espada de Alucard é uma mistura entre sua Alucard Sword que emite um fogo azulado e sua espada Familiar, que tem consciência própria.
A série conta com vários detalhes que homenageiam ou conectam a adaptação com os games. Um exemplo é o elemento pelo qual Drácula controla o teletransporte do Castlevania, uma réplica exata e diminuta do save point de Symphony of the Night. Ou ainda a sala de tesouros dos Belmonts, onde elmos dos armors, restos dos esqueletos, cabeças de medusas, frascos de água benta, e até mesmo um Queltzalcoatl ou White Dragon, um dragão serpente de ossos, aparece pendurado no cenário. Sem falar de um notável quadro de Leon Belmont, ninguém mais ninguém menos do que o primeiro Belmont a encarar Drácula, sendo o herói do jogo “Lamment of Innocence” para PS2.
Com respeito às criaturas, a primeira temporada trouxe varias gárgulas cuspidoras de fogo genéricas no papel de minions menores e duas criaturas com papel mais notável, sendo uma delas o Blue Fangs (uma criatura com presas azuis que mata o bispo na igreja e que alguns apontam como uma homenagem aos wargs) e um Ciclope que petrifica pessoas com o olhar, tendo sido o responsável por petrificar Sylpha (aliais, uma bela homenagem ao terceiro jogo).
E quem teve esperanças de ver mais criaturas sendo utilizadas de forma similar ao Ciclope, pode esquecer. Boa parte das feras são as mesmas gárgulas genéricas ou inimigos cuspidores de fogo originais, mas de pouco carisma. Há notáveis aparições aqui como a do clássico Minotauro e de um monstro corvo que pode muito bem ser uma adaptação do Karasuman/Malphas, sem contar a aparição de Gaibon e Slowgra, inimigos clássicos e já conhecidos de jogadores de Symphony e de
Super Castevania IV. Eles são servos diretos da Morte e lutam juntos, tendo inclusive sua estratégia de SOTN, homenageada com Gaibon levantando Slowgra em voo. Mas infelizmente, são muito mal utilizados e teriam sido melhor aproveitados em uma aparição digna de uma temporada que adaptasse o jogo de Simon Belmont ou a jornada solo de Alucard.
E por falar na Morte, um dos aliados mais importantes do conde está de fora. Provavelmente sendo guardado como uma surpresa para temporadas posteriores. Assim como outro elemento clássico ausente aqui: a transformação demoníaca de Drácula em uma segunda forma. O ruim de tudo isso é que quem desejava ver tais elementos na série, vai ficar chupando o dedo, ao menor por hora.
Outro ponto de crítica da primeira temporada por parte de fãs foi a demonização da igreja, encarando de forma medieval histórica eventos maquiavélicos praticados, como a morte da mãe de Alucard, acusada de bruxaria e a expulsão da família Belmont das terras são elementos que contextualmente fazem sentido com o histórico da igreja medieval (embora ambos fatores nos jogos sejam de autoria do próprio povo, sem ligação explicita com a instituição), mas que incomodou os fãs, não por sensibilidade religiosa e sim por fidelidade.
Isto porque com o contexto antagônico da igreja nos tempos medievais nos jogos, ela é fonte de algumas das frentes de combate às forças das trevas, e indiretamente, fonte de crucifixos e água benta, duas das maiores armas contra tais seres. A posição benéfica da igreja é ainda mais antagonizada na segunda temporada, com Sylpha por exemplo. Enquanto nos jogos ela é uma protegida e enviada da igreja, na série diz que seu grupo e magia é odiada por Deus e pela igreja. Com essa posição fica difícil imaginar o contorno a ser dado para os personagens começarem a usar alguns dos power-ups sagrados mencionados.
Para boa parte dos fãs era esperado que a segunda temporada fosse uma conclusão do terceiro game, enquanto a terceira ficaria responsável por uma possível adaptação do próximo game da lista: Curse of Darkness, com Hector. Embora parte do final remeta diretamente à conclusão do terceiro game, com Trevor e Sylpha iniciando o que parece ser um romance (que teria como fruto a próxima leva de Belmonts, Christopher, Simon, Juste, Richter, etc) e Alucard arrependido pela morte de seu pai se trancando em isolamento para despertar nos tempos de Symphony. Já Hector terminou como um escravo de Carmilla, que busca criar o seu próprio exercito das trevas, ao tempo em que Isaac inicia tal feito a partir de outra região.
Outro ponto que ficou no ar foi a ressurreição de Drácula nas próximas temporadas. Será que tal feito seria bem executado, sem menosprezar a marcante morte dele no final desta temporada?
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